Bandeira Preta, por Gabi Venina
- levantestextuais
- há 1 dia
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Carregava a bandeira como quem carrega um cadáver.
Não era paz — nunca fora.
Era o pano que cobria os mortos que ainda respiravam,
os que marchavam sem nome,
os que o vento apagava antes mesmo de caírem.
A arma ao seu lado era adorno —
o verdadeiro fogo estava no punho que erguia o mastro,
na garganta que rasgava o silêncio.
Diziam que o preto era luto.
Ela dizia: é a cor do que ainda não acabou.
Os piratas sabiam: bandeira preta é recusa, é guerra sem trégua.
Não queria ser lembrada.
Queria ser o rastro de pólvora que acende o próximo levante.
Fez da mente um lugar sem sol.
A equação fora resolvida cedo demais: raiva + fogo – chão = queda livre.
Mas que queda era essa, se o abismo já os havia engolido?
Queimava sua decência, seu nome, seu rosto.
O sol que não veria nascer era o mesmo
que iluminaria a face dos que viessem depois.
Nenhuma glória.
Nenhum reconhecimento.
Nenhuma promessa de retorno.
Toda escolha pesa.
Cada passo deixava algo para trás — paz, amor, tranquilidade —
abandonados como flores num enterro.
Não havia espelho para quem virara sombra.
Não havia gratidão para quem se doava.
Havia só o vento,
levando os farrapos da sua bandeira — e, em algum lugar, outra mão, suja de sangue e esperança, se estendendo para pegá-la.
Um caderno aberto no chão, manchado de terra e carvão.
A última página rabiscada:
“Se não fôssemos nós, seria outro. Mas seria.”
Ela sabia: o mundo não se sustenta sem sacrifício.
Ainda assim, a madeira seguia nas suas costas.
A brasa se movia.
O fogo não apagava.
Porque aceitar era adoecer.
Porque lutar era caminhar em direção à própria ruína.
E mesmo sabendo que o alvorecer jamais seria contemplado,
ela seguia marchando.



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