por Daniel Almeida
- levantestextuais
- há 1 dia
- 4 min de leitura

Era uma tarde fresca de outono, um dia de feriado em maio no Rio de Janeiro e
Fernando passeava de bike pela orla da praia do Aterro do Flamengo. O céu azul, limpo e
típico dessa época do ano, com poucas nuvens, dava uma coloração especial à superfície
da água, ao verde das árvores e da grama e à superfície rochosa do Pão de Açúcar. Ele
estava voltando para casa, retornando de uma pedalada ao Centro, quando, então, resolveu
parar e descansar um pouco sob a sombra de uma árvore. A grama estava seca, o que lhe
deu a ideia de descalçar o tênis e sentir a textura dela na sola dos pés e se deitou, usando
a mochila como travesseiro. Fernando estava com muitas coisas na cabeça, muitos
pensamentos e decisões que precisaria tomar em poucos dias e esse cenário
particularmente belo do Aterro conseguiu fazê-lo se desligar de pensar por um momento.
Fernando saiu para pedalar porque teria que responder ao seu namorado sobre se aceitaria
ou não se mudar para outro estado com ele, para que pudessem seguir juntos nessa nova
etapa. Havia uma relativa diferença de idade entre eles, nada muito grande, mas o
suficiente para que Fernando ainda não estivesse emancipado financeiramente. Ele ainda
estava no meio da graduação e essa escolha, vinda por amor, o levava a ter que escolher
entre se jogar no escuro em nome de um relacionamento, em uma outra cidade e, então,
buscar retomar a própria vida, ou decidir pelo o que era mais seguro para si, ficando na
claridade daquilo que era conhecido. Escolher a si, tornando O grande amor em UM grande
amor? Ou, momentaneamente, abrir mão de si para confiar no cuidado do grande amor?
Para qualquer pessoa observando de fora, seria muito fácil constatar que qualquer uma
dessas escolhas seriam um passo muito maior do que a perna de Fernando provavelmente
conseguiria dar.
Tudo estava ainda meio que confuso na sua cabeça e no seu afeto quando, de
repente, um saco plástico vazio passou voando na frente dos seus olhos, belamente. A
corrente de vento que passava por ali, lançava o saco para cima e para baixo, de um lado
para o outro, como que o fazendo descrever uma dança, como que num bailado solo,
consigo, uma dança no vazio e com o vazio. O vazio do saco plástico ganhava uma forma e
cujo vazio, naquele momento, pareceu a ele a imagem do que sentia, belamente. Fernando,
que até aquele momento não tinha conseguido dar conta do fluxo de pensamentos e de
afetos conflitantes que se agitavam dentro de si, como que foi tocado pela beleza do
momento no cenário do Aterro, conseguindo, assim como o motivo que precisava para
compreender o que estava passando.
A sua vida em família não fazia mais tanto sentido para ele. Quem ele era, também,
já não fazia mais sentido há muito tempo, e muito menos o esforço em manter uma imagem
que esperavam dele. O relacionamento com Gustavo fez com que não mais se
reconhecesse naquele que ele era até então e o novo eu que em que se tornou lhe parecia
bem mais verdadeiro, sincero e próximo de si do que ele alguma vez tivesse sido
anteriormente. Como um caranguejo, ou qualquer outro tipo desses animais chamados
artrópodes que passam por um crescimento interior e depois trocam de carapaça, de
aparência. O crescimento interior, que agora teria que passar, exigiria dele romper de vez
com a sua família, que mesmo o pressionando, dava-lhe suporte. O amor de Gustavo, que
até então, sempre foi material, substância mesmo, para ele se sentir à vontade e se permitir
ser ele mesmo, em algum momento poderia se tornar cobrança, durante o tempo em que
tivesse que carregar uma rotina à dois sozinho. A experiência na faculdade, que, também,
tanto contribuiu para Fernando se conhecer melhor e se encaminhar na direção desse seu
novo eu, talvez não seria possível novamente, com essa nova vida em outra cidade junto do
namorado. Ser pavimento para o namorado expandir o próprio caminho, significaria
escolher abrir um abismo diante de si como caminho, por amor.
A luz do sol que batia no seu rosto aquecia-o como um aconchego e o fazia sentir
como se estivesse sendo acolhido pela vida. E talvez, por isso, olhando agora para o saco
plástico dançando no ar a partir do seu vazio, o sentimento de que se sentia alguém sem
lugar, ou melhor, em um entre-lugar, lhe pareceu, pela primeira vez, como algo
aparentemente belo, como uma imagem na contra luz e que, por isso, adquire uma
aparência de áurea no seu contorno.
Os olhos de Fernando começaram a se iluminar e a ficarem marejados e, a partir
daquele momento, por conta da série de acontecimentos aparentemente sem relação
nenhuma entre si, imaginou que eram um sinal da vida, inspirador, o encorajando a decidir
pelo risco, a não pensar em demasia e se lançar no desconhecido da vida, por ele mesmo,
por amor.
Ele, no seu íntimo, desejava tornar-se adulto e começar uma nova fase de sua vida,
embora ainda não tivesse consciência disso. O amor romântico o inebriava o necessário
para dar-lhe coragem - ou destemor - e fazê-lo tomar as rédeas da vida com as próprias
mãos. Nesse momento, como que em um outro sinal de confirmação que o mundo estaria
lhe dando - mas que, de fato, era apenas mais uma coincidência, uma outra dentro de toda
uma sequência de acasos que já ocorreram - apareceu a notificação de uma mensagem de
Gustavo. Ele havia acabado de ligar, mas o celular de Fernando não vibrou para avisar da
ligação. Vendo pela tela do celular, Fernando conseguiu ler: “Vamos? Eu te amo.”



Comentários